domingo, 3 de maio de 2015

O caminho da pena e da espada.


O tempo passa realmente rápido, e com ele as coisas se transformam, inclusive nossas idéias. Depois de uma década estudando sobre o significado do Parkour em minha vida, hoje posso constatar que todas as experiências pelas quais passei me trouxeram boas reflexões. Gostaria de tentar transmitir um pouco em palavras, mesmo depois de longa data sem escrever nada sobre esse universo. Tudo que você irá ler abaixo faz parte exclusivamente da minha experiência pessoal com a prática do Parkour, o que talvez não se aplique à sua realidade. Desejo que isso possa pelo menos trazer alguma reflexão, não apenas o significado dessa atividade, mas sobre a caminhada individual que todos nós fazemos através da vida.

1 - Parkour é somente uma palavra, não leve ela tão a sério.  
Por algum tempo levei essa palavra como uma espécie de lei ou regra em minha vida, tentando acreditar que era possivel compreender a pratica através de formulas pré estabelecidas e conceitos definitivos, e isso até me foi útil por um período. Parkour é percurso, é saltar, é correr, é escalar, é explorar seu próprio potencial, procurar ser alguém melhor através do movimento, considero a prática apenas uma idéia para canalizar a vontade de ser alguém mais completo e mais apto. E a verdade é que cada um pode fazer isso ao seu próprio gosto, em sua própria jornada individual, e essa é a graça de toda a coisa ! Nos altos e baixos da vida, aprendi a não me basear mais somente nessa palavra quando saio para treinar e explorar movimentos. Sim, eu salto, eu corro, escalo, mas passei a tentar ser melhor a minha própria maneira, mesmo que isso possa soar diferente daquilo que a cultura atual do Parkour costuma impor. Nos limitarmos a palavra Parkour, ou ao conjunto de idéias que ela transmite, é perder a oportunidade de explorar um universo de potencialidades que cada um de nós possuimos. Eu não estou me referindo a deixarmos de treinar aquilo que treinamos durante todos esses anos, de subir um muro, ou de transpor uma grade, para ir fazer coisas absurdamente diferentes, como tocar piano ou jogar futebol. Falo sobre re-explorar aquilo que já fazemos, sermos nós mesmos perante os obstáculos, perante as pessoas a sua volta, não apenas mais uma cópia daquilo vemos aos montes por ai quando acessamos o Youtube em busca de videos de Parkour. Para ser eu mesmo, descobri que era preciso abrir mão da palavra Parkour ou de qualquer outra palavra que poderia me formatar e me jogar em um padrão. Foi preciso encontrar as respostas dentro dos meus próprios desejos, de dentro pra fora. Hoje considero minha prática sem nome ou sem idéias fixas de movimentos, apesar de ainda "vestir a camisa" do Parkour e atuar diretamente na comunidade. Trabalho constantemente para ser forte, para ser capaz, para servir a mim mesmo e para as pessoas à minha volta, essa é a minha prática, minha busca, e subir um muro é apenas um meio. Seja a sua própria busca, esqueça os nomes.
2 - Qualquer coisa faz mal em desequilibrio.
Sim, Parkour faz mal, mas não estou falando necessariamente de levar um tombo. Estou me referindo a deixar de cuidar de outras áreas de sua vida usando o Parkour como uma válvula de escape para os problemas. Antes que me perguntem, eu não sou psicologo, mas consigo bem observar quando um praticante está levando a prática em desequilibrio com o restante das coisas em sua vida, pois eu mesmo já fiz isso por um tempo. Ser hábil em algo as vezes pode significar mais uma fraqueza do que uma força, principalmente quando seu treino não está gerando impacto positivo em outras áreas da sua vida. Precisamos aprender a reequilibrar as coisas quando elas parecem estar desequilibradas, precisamos pensar mais em nos tornarmos pessoas fortes em qualquer tipo de situação que a vida venha nos impor, não somente nos muros para escalar, ou nas grades para saltar, me refiro aos reais problemas da vida, aos nossos relacionamentos, nossas responsabilidades como irmãos, pais, filhos, como cidadãos. Não sei desde quando ser bom e forte no Parkour negligenciando todas as outras partes da vida se tornou algo positivo. Acredito que alguém forte é alguém que é capaz de cuidar de si mesmo e das pessoas a sua volta, usando suas habilidades para construir coisas positivas que poderão trazer benefícios de várias formas, para si e para os outros. E por isso, para mim, andar em equilíbrio é estar preparado para todo esse grande obstáculo que é a vida, é poder inspirar outras pessoas de várias formas, não somente através de um salto ou um movimento.
3 - Esteja preparado, a vida é uma guerra.
Conheço muitas pessoas que estão acostumadas a enxergar apenas as coisas boas e prazerosas da vida, vivem em uma espécie de bolha de paz e amor, e isso é ótimo até o ponto que te cega para as batalhas que todos nós encontramos pelo caminho em algum momento da vida. E quando os reais problemas batem na porta, essas pessoas ficam mais perdidas do que cego em tiroteio, se suicidam, enlouquecem, fogem da batalha, não sabem como agir. Se tem uma coisa que aprendi, foi que a vida se trata de uma verdadeira guerra, se quer um bom exemplo é só você parar para observar um pouco a natureza, os animais, a luta pela vida que todos nós seres vivos estamos inseridos. Ignorar isso é simplesmente abrir mão de você mesmo. Por isso precisamos estar sempre prontos, com a precisão cravada e com o climb-up reto, com nossas espadas afiadas. Estude, saiba sobre outros assuntos, seja bom em outras coisas, aprenda a lidar com os problemas do seu dia-dia de forma inteligente e eficiente, assim como você faz para ultrapassar os obstáculos no Parkour. Você não terá seus pais ou sua família para sempre, é necessário  construir sua própria armadura para se proteger, e ter sua própria espada para desbravar seu caminho, da mesma forma como no Parkour onde treinamos nossos corpos para superar obstáculos e proteger-nos dos impactos. A vida é uma guerra, e ela vai te dar rasteiras até você cair caso não aprenda a se movimentar de uma forma rápida e inteligente através dela. Vai ficar ai parado em um mundo imaginário ou vai fazer algo a respeito para lidar com o mundo real ?
4 - Aprenda com os fortes e esteja para os fracos.
Todos nós gostamos de estar perto de pessoas que nos acrescentam algo, e considero isso uma parte muito importante em nossa evolução pessoal. Muitas das minhas conquistas pessoais, principalmente no Parkour, devo ao fato de ter aprendido com as pessoas à minha volta, as quais eu considerei fortes em diversos aspéctos que eu podia e queria melhorar . Poucos se dão conta disso, mas muito do que somos hoje devemos às pessoas que estiveram à nossa volta durante o passar dos anos. Por isso precisamos estar sempre atentos aos nossos relacionamentos para não acabarmos sofrendo influências negativas e nos afundando, isso é mais sério do que parece. Ao mesmo tempo, acredito que assim como aprendemos com as outras pessoas, podemos e devemos dar continuidade a esse ciclo e também transmitir algo de bom e útil aos outros. Me lembro que no ano de 2006 um rapaz francês bem conhecido no meio do Parkour veio ao Brasil e acabamos recebendo ele em alguns de nossos treinos. A simples disponibilidade que ele nos ofereceu durante alguns dias, transmitindo todo seu conhecimento,  trouxe um grande impacto na forma como treinavamos Parkour, e isso se refletiu positivamente durante muitos anos em todo o cenário local. Naquela época nós eramos fracos na prática, e assim como pude aprender sobre Parkour com ele, também aprendi sobre estar aberto e disponivel para repassar adiante aquilo de bom que algum dia alguém me deu. Não digo que todos devem sair por ai gastando palavras para vomitar ensinamentos, mas as vezes oferecer sua simples presença é o bastante para mudar a vida de alguém positivamente.
5 - Aceite as transformações e seja forte através delas.

Considero essa questão bem interessante e tem muito a ver com a linha de pensamento do artista marcial e filósofo Bruce Lee. No Parkour, assim como na vida, é natural que as vezes tenhamos dificuldades em lidar com o momento presente, entende-lo e sabermos agir através dele de forma consciente. Muitos de  nós aplicamos essa idéia de maneira equivocada, passamos a querer sempre repetir as mesmas fórmulas na tentativa de obter os mesmos resultados do passado, queremos sempre as mesmas experiências, como se ainda fossemos as mesmas pessoas de tempos atrás. Uma grande tolice. Nosso corpo está em constante mudança, assim como nossas vidas e nossas idéias, e é importante sabermos escutar o momento presente, para agirmos em harmonia com contexto atual de nossas vidas. Vou te dizer algo, o salto que você realizou a 5 anos atrás foi algo único que nunca mais vai se repetir, e mesmo que você o faça diversas vezes estará sempre encontrando experiências diferentes e talvez suas expectativas sejam frustradas. Se até o muro depois de um tempo já talvez não é mais o mesmo, pois sofre os efeitos do tempo, mudando as caracteristicas de sua superficie, imagine o ser humano que é um ser vivo, feito de carne, osso e emoções. Mesmo que um momento não possa se repetir exatamente como gostariamos,  ainda temos o dia de hoje para descobrir novas possibilidades e criar novos momentos únicos de aprendizado e crescimento, os quais estejam sincronizados com nosso atual contexto fisico e de espîrito. Dizem que até água parada apodrece, ao contrário da água corrente, que flui e trás a vida. Por isso não esteja ai parado e apegado aos mesmos momentos do passado, flua e seja forte através daquilo que você tem hoje, se adapte ao momento presente e reinvente-se. É preciso aceitar as transformações da vida, como uma forte lesão ou o envelhecimento para podermos evoluir. Por esse motivo costumo admirar muitos atletas paraolimpicos, alguns deles são pessoas que de fato tiveram que se reinventar pra se tornarem fortes outra vez, fortes em sua própria maneira, em sua própria realidade. E isso me inspira.