sexta-feira, 17 de junho de 2016

Novos tempos

Aqueles que sempre estiveram à minha volta, mais próximos, devem ter alguma idéia sobre a importância que o Parkour tem em minha jornada por essa vida. Acho que na verdade essa prática acaba se tornando importante para a vida de qualquer um que se atreve a explora-la profundamente, como de fato fiz. Parece que foi ontem que eu, até então um recém-embarcado na vida universitária, ousei sair de casa para imitar alguns saltos que havia acabado de assistir no Youtube. Esses vídeos mostravam uns caras franceses se deslocando pela cidade de uma forma desconhecida até então, desafiando a idéia que tínhamos sobre as capacidades de movimento que nosso corpo pode oferecer. Bom, na verdade eu não estou aqui para falar sobre o Parkour isoladamente, mas tenho sentido vontade de me expressar sobre os últimos capítulos dessa minha aventura através dessa prática. E nada melhor do que vir tirar as teias desse blog para realizar esse feito !

Há mais de um ano senti que era o momento de me afastar do Parkour, de descobrir coisas novas. Foi um ano de muitas mudanças em minha vida pessoal e profissional. Me dei conta que era tempo de observar o Parkour de longe, e isso estava bem claro para mim naquele momento. Depois de mais de uma década completamente imerso na atividade, eu ainda não havia provado da sensação de simplesmente não levar mais a sério a prática, eu nunca havia passado sequer alguns dias sem me relacionar com o Parkour de alguma forma. Mas as antigas motivações já não faziam mais sentido pra mim, e me vi dentro de uma situação em que eu não conseguia continuar fazendo o que sempre havia feito até então. Foi duro aceitar e demorou algum tempo. Na teimosia, tentei não parar, não abandonar meus projetos envolvendo a prática. Haviam pessoas que contavam comigo. Acho que nesse período decepcionei colegas e aqueles que esperavam algo de mim, pois não consegui dar meu melhor. O Parkour não só me trouxe um corpo mais apto, mas me moldou interiormente, me trouxe o desejo de me tornar alguém melhor em todos os aspectos, e me tornou de fato. Por isso, eu senti grande dificuldade em me afastar, mesmo sabendo que era um passo necessário para continuar minha jornada. Naquele momento, foi como me afastar de mim mesmo.

Quando me lembro de quem eu era antes de ingressar na atividade, eu mal consigo me reconhecer. Acho que eu era um tanto perdido sobre o que eu queria fazer da minha vida, sobre minha própria identidade. Acho que me reconheci através do Parkour e me tornei alguém mais assertivo em minhas próprias decisões. Não que eu tenha cometido somente acertos durante esses anos de treino. Na verdade cometi inúmeros erros. Já entrei em muitos debates desnecessários por acreditar que minha visão era de alguma forma superior à visão de outras pessoas. Já coloquei meu corpo em risco algumas vezes, já fui cegado pelo ego assim como muitos praticantes são quando começam a desenvolver suas habilidades.  Aprendi e ainda aprendo com cada erro que cometo no meio do percurso.Recentemente voltei a treinar Parkour com regularidade, depois de um ano longe. Nesse tempo não deixei de me exercitar regularmente e de ter um bom condicionamento físico. Por isso, essa minha volta não tem sido difícil, apesar de estar um pouco mais pesado e lento.  

Hoje, com 30 anos de idade, depois de tudo que já vivi nesse meio, me vejo em um momento de recomeço. Sinto-me íntimo novamente à prática e motivado a “recomeçar”. Uma vez li em algum lugar que às vezes precisamos nos distanciar de tudo aquilo que estamos acostumados a ter e a fazer, para que possamos nos auto avaliar, tirar o que atrapalha e manter o que é essencial. Como se pudéssemos visualizar nós mesmos do lado de fora e entender com exatidão sobre nossas atitudes e nossos caminhos. Talvez tenha sido isso que andei fazendo nesse período, mesmo sem premeditar ou calcular meus atos. Hoje, mesmo treinando e voltando a focar no Parkour, não tenho me envolvido ainda com projetos específicos, aulas ou divulgações. Por enquanto quero manter as coisas na forma simples, estar apenas como estive nos meus primeiros anos de prática, treinando, conhecendo pessoas, continuar aprendendo e evoluindo como praticante e como pessoa. Como mencionei antes, minha personalidade está muito ligada a essa prática, e sinto dificuldade em falar de mim mesmo sem falar de Parkour. Acho que esse foi o meu maior aprendizado nessa fase em que andei afastado, pude dimensionar melhor a importância que essa atividade teve e tem no meu propósito de vida. Não sei ainda o que virá pela frente, mas sei que aquilo que eu decidir fazer daqui por diante, será construído sobre uma base mais sólida e mais fiel ao meu relacionamento com a atividade.

O Parkour sempre pertenceu àqueles suficientemente ousados para explorá-lo em sua essência, vive-lo no dia-dia. Quando deixamos essa mentalidade morrer, nos desconectamos da prática, mesmo as vezes achando que não ! Esse pensamento me faz lembrar de alguns praticantes “especiais” os quais sempre admirei, tanto aqui no Brasil quanto no exterior.  Alguns deles até bem conhecidos na comunidade. Aqueles que por muitas vezes recusam estar entre os holofotes para preservarem a relação que possuem com o Parkour, abrem mão de fazerem parte de coisas “grandes” para seguirem fiéis aos seus próprios caminhos. Que possuem identidade própria e não se deixam levar por tendências momentâneas. São eles os verdadeiros canais de transmissão da prática, afinal eles são a própria prática, a ação, o verbo. Quem está nesse meio, sabe bem quem são essas pessoas. Penso que são elas o maior motivo de essa prática permanecer viva. Querendo ou não essa forma individual de ser e agir sempre representou a maior contribuição que podemos dar a comunidade do Parkour, muito maior que a formação de grupos, associações, projetos, divulgações. E hoje isso está novamente bem claro pra mim, assim como esteve à uma década atrás.

domingo, 3 de maio de 2015

O caminho da pena e da espada.


O tempo passa realmente rápido, e com ele as coisas se transformam, inclusive nossas idéias. Depois de uma década estudando sobre o significado do Parkour em minha vida, hoje posso constatar que todas as experiências pelas quais passei me trouxeram boas reflexões. Gostaria de tentar transmitir um pouco em palavras, mesmo depois de longa data sem escrever nada sobre esse universo. Tudo que você irá ler abaixo faz parte exclusivamente da minha experiência pessoal com a prática do Parkour, o que talvez não se aplique à sua realidade. Desejo que isso possa pelo menos trazer alguma reflexão, não apenas o significado dessa atividade, mas sobre a caminhada individual que todos nós fazemos através da vida.

1 - Parkour é somente uma palavra, não leve ela tão a sério.  
Por algum tempo levei essa palavra como uma espécie de lei ou regra em minha vida, tentando acreditar que era possivel compreender a pratica através de formulas pré estabelecidas e conceitos definitivos, e isso até me foi útil por um período. Parkour é percurso, é saltar, é correr, é escalar, é explorar seu próprio potencial, procurar ser alguém melhor através do movimento, considero a prática apenas uma idéia para canalizar a vontade de ser alguém mais completo e mais apto. E a verdade é que cada um pode fazer isso ao seu próprio gosto, em sua própria jornada individual, e essa é a graça de toda a coisa ! Nos altos e baixos da vida, aprendi a não me basear mais somente nessa palavra quando saio para treinar e explorar movimentos. Sim, eu salto, eu corro, escalo, mas passei a tentar ser melhor a minha própria maneira, mesmo que isso possa soar diferente daquilo que a cultura atual do Parkour costuma impor. Nos limitarmos a palavra Parkour, ou ao conjunto de idéias que ela transmite, é perder a oportunidade de explorar um universo de potencialidades que cada um de nós possuimos. Eu não estou me referindo a deixarmos de treinar aquilo que treinamos durante todos esses anos, de subir um muro, ou de transpor uma grade, para ir fazer coisas absurdamente diferentes, como tocar piano ou jogar futebol. Falo sobre re-explorar aquilo que já fazemos, sermos nós mesmos perante os obstáculos, perante as pessoas a sua volta, não apenas mais uma cópia daquilo vemos aos montes por ai quando acessamos o Youtube em busca de videos de Parkour. Para ser eu mesmo, descobri que era preciso abrir mão da palavra Parkour ou de qualquer outra palavra que poderia me formatar e me jogar em um padrão. Foi preciso encontrar as respostas dentro dos meus próprios desejos, de dentro pra fora. Hoje considero minha prática sem nome ou sem idéias fixas de movimentos, apesar de ainda "vestir a camisa" do Parkour e atuar diretamente na comunidade. Trabalho constantemente para ser forte, para ser capaz, para servir a mim mesmo e para as pessoas à minha volta, essa é a minha prática, minha busca, e subir um muro é apenas um meio. Seja a sua própria busca, esqueça os nomes.
2 - Qualquer coisa faz mal em desequilibrio.
Sim, Parkour faz mal, mas não estou falando necessariamente de levar um tombo. Estou me referindo a deixar de cuidar de outras áreas de sua vida usando o Parkour como uma válvula de escape para os problemas. Antes que me perguntem, eu não sou psicologo, mas consigo bem observar quando um praticante está levando a prática em desequilibrio com o restante das coisas em sua vida, pois eu mesmo já fiz isso por um tempo. Ser hábil em algo as vezes pode significar mais uma fraqueza do que uma força, principalmente quando seu treino não está gerando impacto positivo em outras áreas da sua vida. Precisamos aprender a reequilibrar as coisas quando elas parecem estar desequilibradas, precisamos pensar mais em nos tornarmos pessoas fortes em qualquer tipo de situação que a vida venha nos impor, não somente nos muros para escalar, ou nas grades para saltar, me refiro aos reais problemas da vida, aos nossos relacionamentos, nossas responsabilidades como irmãos, pais, filhos, como cidadãos. Não sei desde quando ser bom e forte no Parkour negligenciando todas as outras partes da vida se tornou algo positivo. Acredito que alguém forte é alguém que é capaz de cuidar de si mesmo e das pessoas a sua volta, usando suas habilidades para construir coisas positivas que poderão trazer benefícios de várias formas, para si e para os outros. E por isso, para mim, andar em equilíbrio é estar preparado para todo esse grande obstáculo que é a vida, é poder inspirar outras pessoas de várias formas, não somente através de um salto ou um movimento.
3 - Esteja preparado, a vida é uma guerra.
Conheço muitas pessoas que estão acostumadas a enxergar apenas as coisas boas e prazerosas da vida, vivem em uma espécie de bolha de paz e amor, e isso é ótimo até o ponto que te cega para as batalhas que todos nós encontramos pelo caminho em algum momento da vida. E quando os reais problemas batem na porta, essas pessoas ficam mais perdidas do que cego em tiroteio, se suicidam, enlouquecem, fogem da batalha, não sabem como agir. Se tem uma coisa que aprendi, foi que a vida se trata de uma verdadeira guerra, se quer um bom exemplo é só você parar para observar um pouco a natureza, os animais, a luta pela vida que todos nós seres vivos estamos inseridos. Ignorar isso é simplesmente abrir mão de você mesmo. Por isso precisamos estar sempre prontos, com a precisão cravada e com o climb-up reto, com nossas espadas afiadas. Estude, saiba sobre outros assuntos, seja bom em outras coisas, aprenda a lidar com os problemas do seu dia-dia de forma inteligente e eficiente, assim como você faz para ultrapassar os obstáculos no Parkour. Você não terá seus pais ou sua família para sempre, é necessário  construir sua própria armadura para se proteger, e ter sua própria espada para desbravar seu caminho, da mesma forma como no Parkour onde treinamos nossos corpos para superar obstáculos e proteger-nos dos impactos. A vida é uma guerra, e ela vai te dar rasteiras até você cair caso não aprenda a se movimentar de uma forma rápida e inteligente através dela. Vai ficar ai parado em um mundo imaginário ou vai fazer algo a respeito para lidar com o mundo real ?
4 - Aprenda com os fortes e esteja para os fracos.
Todos nós gostamos de estar perto de pessoas que nos acrescentam algo, e considero isso uma parte muito importante em nossa evolução pessoal. Muitas das minhas conquistas pessoais, principalmente no Parkour, devo ao fato de ter aprendido com as pessoas à minha volta, as quais eu considerei fortes em diversos aspéctos que eu podia e queria melhorar . Poucos se dão conta disso, mas muito do que somos hoje devemos às pessoas que estiveram à nossa volta durante o passar dos anos. Por isso precisamos estar sempre atentos aos nossos relacionamentos para não acabarmos sofrendo influências negativas e nos afundando, isso é mais sério do que parece. Ao mesmo tempo, acredito que assim como aprendemos com as outras pessoas, podemos e devemos dar continuidade a esse ciclo e também transmitir algo de bom e útil aos outros. Me lembro que no ano de 2006 um rapaz francês bem conhecido no meio do Parkour veio ao Brasil e acabamos recebendo ele em alguns de nossos treinos. A simples disponibilidade que ele nos ofereceu durante alguns dias, transmitindo todo seu conhecimento,  trouxe um grande impacto na forma como treinavamos Parkour, e isso se refletiu positivamente durante muitos anos em todo o cenário local. Naquela época nós eramos fracos na prática, e assim como pude aprender sobre Parkour com ele, também aprendi sobre estar aberto e disponivel para repassar adiante aquilo de bom que algum dia alguém me deu. Não digo que todos devem sair por ai gastando palavras para vomitar ensinamentos, mas as vezes oferecer sua simples presença é o bastante para mudar a vida de alguém positivamente.
5 - Aceite as transformações e seja forte através delas.

Considero essa questão bem interessante e tem muito a ver com a linha de pensamento do artista marcial e filósofo Bruce Lee. No Parkour, assim como na vida, é natural que as vezes tenhamos dificuldades em lidar com o momento presente, entende-lo e sabermos agir através dele de forma consciente. Muitos de  nós aplicamos essa idéia de maneira equivocada, passamos a querer sempre repetir as mesmas fórmulas na tentativa de obter os mesmos resultados do passado, queremos sempre as mesmas experiências, como se ainda fossemos as mesmas pessoas de tempos atrás. Uma grande tolice. Nosso corpo está em constante mudança, assim como nossas vidas e nossas idéias, e é importante sabermos escutar o momento presente, para agirmos em harmonia com contexto atual de nossas vidas. Vou te dizer algo, o salto que você realizou a 5 anos atrás foi algo único que nunca mais vai se repetir, e mesmo que você o faça diversas vezes estará sempre encontrando experiências diferentes e talvez suas expectativas sejam frustradas. Se até o muro depois de um tempo já talvez não é mais o mesmo, pois sofre os efeitos do tempo, mudando as caracteristicas de sua superficie, imagine o ser humano que é um ser vivo, feito de carne, osso e emoções. Mesmo que um momento não possa se repetir exatamente como gostariamos,  ainda temos o dia de hoje para descobrir novas possibilidades e criar novos momentos únicos de aprendizado e crescimento, os quais estejam sincronizados com nosso atual contexto fisico e de espîrito. Dizem que até água parada apodrece, ao contrário da água corrente, que flui e trás a vida. Por isso não esteja ai parado e apegado aos mesmos momentos do passado, flua e seja forte através daquilo que você tem hoje, se adapte ao momento presente e reinvente-se. É preciso aceitar as transformações da vida, como uma forte lesão ou o envelhecimento para podermos evoluir. Por esse motivo costumo admirar muitos atletas paraolimpicos, alguns deles são pessoas que de fato tiveram que se reinventar pra se tornarem fortes outra vez, fortes em sua própria maneira, em sua própria realidade. E isso me inspira.

domingo, 17 de novembro de 2013

The Split (A divisão) - Por Stephane Vigroux.

Recentemente o francês Stephane Vigroux, diretor da Parkour Generations e um dos pioneiros do Parkour nos anos 90, postou um artigo que reflete o sentimento de muitos praticantes no mundo de hoje. Com a autorização dele, tomei a liberdade de traduzi-lo para compartilhar com a comunidade brasileira de Parkour.

The Split (A divisão) - Por Stephane Vigroux


Sendo francês e desenvolvendo meu Parkour em Lisses com David Belle (começando em 1998) me considero alguém de sorte por ter feito parte do nascimento do Parkour. Eu tive a rara oportunidade de treinar e aprender em um tempo em que aquilo que fazíamos era completamente desconhecido para o mundo : Somente alguns jovens loucos treinando “algo’’ em uma pequena cidade. Sem o interesse da TV, dos jornais, sem as câmeras, sem a internet, ali havia somente a cidade, nossa busca por identidade, nossos medos, corpo e alma desejando desafios, autoconhecimento e crescimento.

Depois de um tempo, eu naturalmente senti o desejo de ensinar e compartilhar alguns dos conhecimentos que recebi treinando com aqueles que foram minhas grandes inspirações dentro da prática : David Belle, Sebastian Foucan e Williams Belle.

Passando esse conhecimento adiante e conhecendo as novas gerações de praticantes eu rapidamente percebi algo: O Parkour está evoluindo, mudando, e parte dele está sendo diluído. Está sendo criada uma tendência e uma mentalidade separada da original.

Eu pensei que estaria tudo bem desde que conseguíssemos manter o espírito e a essência do Parkour vivos. Tentamos sempre conservar a idéia de que nessa prática há espaço para todos nós, que somos homens e mulheres livres para pensar e fazer as coisas como desejamos. Eu costumo tentar focar naquilo que temos em comum, nas coisas que podemos compartilhar, similaridades em nossa forma de movimentar, treinar e viver. Ao invés de dividir nossa comunidade, ainda mais se considerarmos que o Parkour é, todavia algo muito recente, um movimento que ainda está em desenvolvimento.

E então, por isso, minha mensagem durante os 5-6 últimos anos foi bem voltada para a construção de uma federação ; enxergando toda a comunidade como UM só movimento que deveríamos desenvolver todos juntos. Essa intenção foi boa, eu acho, pelo menos no começo.

Muitos anos já passados, hoje posso dizer que já trabalhei perto de boa parte da comunidade mundial de Parkour. Eu tive muito tempo para observar o crescimento e a evolução dela, e por isso acabei chegando a uma conclusão, e hoje posso dizer honestamente que essa multidão “Redbullion’’ (um termo criado por Sebastian Foucan para descrever esse vírus que está diluindo nosso movimento) e aqueles que treinam para aparecer em vídeos, esses NÃO fazem Parkour ! Eles NÃO estão treinando a mesma disciplina que nós desenvolvemos na França todos esses anos.

Mesmo que os saltos sejam os mesmos em um vídeo, e visualmente seja a mesma coisa, o significado por trás desses saltos, a razão e motivação para fazê-los, o estado de espírito quando eles estão sendo feitos e a intenção por trás, são em essência completamente diferentes daquilo que fazemos. Parkour não é, e nunca foi, acrobacias aleatórias em muros. O que realmente importa, aquilo que trará benefícios ou prejuízos para cada um, é aquilo que está por trás da performance propriamente dita. Eu posso ver uma separação real ocorrendo nesse sentido com essa nova geração tentando praticar Parkour.

Deixe-me explicar o que Parkour realmente é: Parkour é uma prática baseada no movimento que ajuda as pessoas a se tornarem mais fortes fisicamente e mentalmente, os tornando seres humanos mais equilibrados. E assim, com essas bases sólidas estarão preparados para ajudar outras pessoas e a comunidade a sua volta.

É uma definição muito ampla e eu tenho certeza que muitos devem estar pensando : ‘’Beleza, esse ai sou eu, estou praticando o verdadeiro Parkour’’. Mais sugiro a você que pense por uma segunda vez. Detalhes fazem realmente a diferença. Parkour é uma MENTALIDADE. Um estado de espírito, uma cultura de trabalho duro e esforço, são essas coisas que fizeram a atividade existir em primeira instância. Sem essa mentalidade, se a prática tivesse sido criada sendo baseada somente em um terrível vazio, com eventos e mensagens superficiais representadas pela mentalidade da Redbull, o Parkour nunca teria nascido.

Mais uma vez eu repito, visualmente parece tudo a mesma coisa, mas aquilo que está acontecendo por trás de cada salto dentro da mente de cada praticante, é para mim o que define se ele está praticando Parkour ou não. É uma mentalidade que você pode encontrar em muitas pessoas e atividades diferentes, e ela é a essência do Parkour. E não o maldito salto !!

O Parkour deve ser mais pessoal, focando no trabalho interior que cada um precisa fazer para se tornar mais forte de diversas maneiras possíveis, não somente no aspecto físico. Essa é a mentalidade. E você pode encontrar essa mentalidade na pintura, na escrita, nas artes marciais, etc. Na verdade em tudo que fazemos.

Conversando com meu amigo Ido Portal recentemente, confirmei isso. Realmente não se trata daquilo que fazemos, mais COMO fazemos as coisas. Com qual intenção e estado de espírito me sinto mais próximo e me identifico com pessoas que praticam qualquer outra atividade de mentalidade similar, do que com qualquer outro tipo Redbullion que eu possa conhecer.

Quando eu navego pelo Youtube e digito ‘’Parkour’’ ou ‘’FreeRunning’’, eu não consigo me identificar ou me sentir próximo em 99.99% das vezes. Por quê? Interiormente, o que fazemos é completamente diferente. Enquanto no Parkour estamos tentando entender mais sobre nós mesmos, ganhar mais confiança, ser alguém mais feliz, ser mais forte de diversas maneiras na vida, outras parte de praticantes está alimentando seus próprios egos com performances de curto prazo que só irá os levar a mais sofrimento e, finalmente, ao fim de seu movimento e de sua boa saúde.

Há uma clara DIVISÃO entre o que praticamos agora. A palavra Parkour tem sido usada demasiadamente e equivocadamente. Tem perdido sua força e significado. A identidade do Parkour tem sido roubada e explorada. Essa nova mentalidade está hoje representando tudo que nós lutamos contra no inicio, durante a criação do Parkour. Essas grandes marcas vendendo nossa própria cultura de volta para nós mesmos, prendendo-nos no consumo de seus produtos, tentando nos possuir e abusar da imagem do Parkour para promover bebidas energéticas, cassinos, ginásios fechados...Quanto mais você seguir esta mentalidade, menos você é livre e forte.

Isso é bastante preocupante se você parar para pensar. Essa nova mentalidade é justamente o oposto daquilo que deu origem ao Parkour !! Depois de fazer um pouco de pesquisa eu encontrei um monte de pessoas "descontentes" com as campanhas maçantes de organizações como a Redbull dentro do mundo do skate e também no entre os artistas de graffiti. Puristas, talvez sim, porém são pessoas muito atentas em não serem exploradas, que promovem ações para lutar contra essa grande maquina que está roubando deles também.

Eu realmente me sinto muito triste pelo meu amigo Sebastien Foucan, aquele quem começou a se comunicar com o mundo através da expressão ‘’Free Running’’, logo depois do documentário Jump London : A definição original para essa palavra também foi perdida e devorada por esse grande parasita, e agora serve apenas para representar algo completamente diferente de sua visão.

Pense bem no que você está fazendo. Reflita sobre suas ações e movimentos. Por que você treina ? Pelo que você aceita correr riscos ? Seja honesto com você mesmo quando estiver respondendo essas perguntas. E descubra se aquilo que você está fazendo está realmente alinhado com uma filosofia positiva e significativa. Não pense que você é livre e forte por você ter realizado seu novo grande salto e colocado isso no Youtube, ou por ter conseguido um patrocínio de uma marca qualquer.

Eu estive calado até agora e talvez eu tenha perdido alguns ‘’amigos’’ do facebook com essas palavras, mas eu sinto que devo falar tudo isso; pois aquilo que nós estivemos treinando antes está morrendo e sendo substituído por uma piada. Por algo sem profundidade e significado. Eu penso muito nos praticantes sérios que existem no mundo para estar compartilhando esse pensamento, e encorajo todos vocês a estarem se expressando e falando cada dia mais alto !



quarta-feira, 8 de maio de 2013

Não quebre o ritmo


Já faz um semestre que venho tendo a oportunidade de estar ministrando aulas regulares de Parkour aqui em Brasília. Com isso, já posso perceber os avanços, as dificuldades e todo tipo de reação que um iniciante possa ter em seus primeiros passos dentro do Parkour. Para mim, ao longo desses anos de experiência, já não é uma novidade associar a progressão de uma pessoa na disciplina com sua frequência nos treinos. E é interessante observar a reação do iniciante quando ele se depara com essa realidade que é tão presente na arte de se deslocar.

Não foi uma, nem duas, muito menos três; na verdade foram muito mais vezes em que já escutei praticantes dizendo frases nesse sentido : “Nossa, parei de treinar por pouco tempo, mas parece que já estou a 1000 anos parado, estou fraco e mal consigo fazer esse salto que antes era facil’’. Escuto esse tipo de coisa com bastante frequência, na verdade eu mesmo já me deparei com essa sensação nas vezes em que voltei a treinar depois de passar duas ou três semanas ausente da prática.

Uma das primeiras coisas que digo a um iniciante é para que ele não fique muitos dias sem treinar, ou para que ele tente manter certo ritmo de treinos. Na fase inicial é comum termos a sensação de que tudo parece muito difícil ou quase impossível, é como se existisse uma muralha posta entre você e a boa prática do Parkour. De certa forma essa sensação não deixa de ser fiel a realidade se formos considerar que um iniciante deve trabalhar duro para obter uma condição física mínima a fim de desenvolver um Parkour sólido e sem grandes riscos de lesão. Porém, a verdade é que essa muralha que separa o iniciante do bom Parkour é perfeitamente escalável a todos aqueles que se dispõe a tal ação. E um dos segredos está exatamente em não ficar muito tempo longe da prática, pegar todo o aprendizado absorvido e coloca-lo em prática frequentemente.

Desculpe, mas tenho que ser sincero. Não se faz um Parkour consideravelmente sólido apenas com um treino por semana. Constantemente encontro iniciantes que não conseguem sair do 0, dar aquela arrancada, justamente por esperarem demais para voltarem ao campo de ação. Vou dar um exemplo. Imagine um bebê que está aprendendo a caminhar em pé. Agora imagine que para isso ele dispõe apenas de uma sessão de 1 hora por semana para desenvolver sua prática. Como você imagina esse bebê se desenvolvendo no ato de andar? Eu consigo imaginar que ele não irá desenvolver essa habilidade com rapidez ou talvez nunca chegue a desenvolvê-la satisfatoriamente.


A mesma coisa acontece no Parkour. É preciso aprender a caminhar na prática. Um pouco todos os dias. Não importa se você faz ou não aulas de Parkour, se você tem pouco ou muito tempo disponível em sua agenda. Não é difícil encontrar um ritmo de treinos a partir do momento que você se dispõe a sair da zona de conforto. E o mais legal de tudo é que no Parkour não precisamos depender de equipamentos ou lugares específicos. Qualquer ambiente a sua volta pode ser adaptado e utilizado para a realização de treinos, basta usar um pouco de criatividade. Nesse momento você pode ter um verdadeiro playground perto de sua casa e ainda não se deu conta disso. Saia, explore, crie, só não fique parado esperando pela próxima aula ou pela próxima vez em que seus amigos irão marcar um treino .


Acima de tudo, respeite seu corpo, se alimente bem, durma bem. Preze pelo condicionamento físico antes de começar a realizar saltos que envolvam maior impacto. Lembre-se que seu corpo é sua ferramenta de trabalho e que quanto melhor você cuida dela, mais tempo ela poderá durar.