domingo, 17 de novembro de 2013

The Split (A divisão) - Por Stephane Vigroux.

Recentemente o francês Stephane Vigroux, diretor da Parkour Generations e um dos pioneiros do Parkour nos anos 90, postou um artigo que reflete o sentimento de muitos praticantes no mundo de hoje. Com a autorização dele, tomei a liberdade de traduzi-lo para compartilhar com a comunidade brasileira de Parkour.

The Split (A divisão) - Por Stephane Vigroux


Sendo francês e desenvolvendo meu Parkour em Lisses com David Belle (começando em 1998) me considero alguém de sorte por ter feito parte do nascimento do Parkour. Eu tive a rara oportunidade de treinar e aprender em um tempo em que aquilo que fazíamos era completamente desconhecido para o mundo : Somente alguns jovens loucos treinando “algo’’ em uma pequena cidade. Sem o interesse da TV, dos jornais, sem as câmeras, sem a internet, ali havia somente a cidade, nossa busca por identidade, nossos medos, corpo e alma desejando desafios, autoconhecimento e crescimento.

Depois de um tempo, eu naturalmente senti o desejo de ensinar e compartilhar alguns dos conhecimentos que recebi treinando com aqueles que foram minhas grandes inspirações dentro da prática : David Belle, Sebastian Foucan e Williams Belle.

Passando esse conhecimento adiante e conhecendo as novas gerações de praticantes eu rapidamente percebi algo: O Parkour está evoluindo, mudando, e parte dele está sendo diluído. Está sendo criada uma tendência e uma mentalidade separada da original.

Eu pensei que estaria tudo bem desde que conseguíssemos manter o espírito e a essência do Parkour vivos. Tentamos sempre conservar a idéia de que nessa prática há espaço para todos nós, que somos homens e mulheres livres para pensar e fazer as coisas como desejamos. Eu costumo tentar focar naquilo que temos em comum, nas coisas que podemos compartilhar, similaridades em nossa forma de movimentar, treinar e viver. Ao invés de dividir nossa comunidade, ainda mais se considerarmos que o Parkour é, todavia algo muito recente, um movimento que ainda está em desenvolvimento.

E então, por isso, minha mensagem durante os 5-6 últimos anos foi bem voltada para a construção de uma federação ; enxergando toda a comunidade como UM só movimento que deveríamos desenvolver todos juntos. Essa intenção foi boa, eu acho, pelo menos no começo.

Muitos anos já passados, hoje posso dizer que já trabalhei perto de boa parte da comunidade mundial de Parkour. Eu tive muito tempo para observar o crescimento e a evolução dela, e por isso acabei chegando a uma conclusão, e hoje posso dizer honestamente que essa multidão “Redbullion’’ (um termo criado por Sebastian Foucan para descrever esse vírus que está diluindo nosso movimento) e aqueles que treinam para aparecer em vídeos, esses NÃO fazem Parkour ! Eles NÃO estão treinando a mesma disciplina que nós desenvolvemos na França todos esses anos.

Mesmo que os saltos sejam os mesmos em um vídeo, e visualmente seja a mesma coisa, o significado por trás desses saltos, a razão e motivação para fazê-los, o estado de espírito quando eles estão sendo feitos e a intenção por trás, são em essência completamente diferentes daquilo que fazemos. Parkour não é, e nunca foi, acrobacias aleatórias em muros. O que realmente importa, aquilo que trará benefícios ou prejuízos para cada um, é aquilo que está por trás da performance propriamente dita. Eu posso ver uma separação real ocorrendo nesse sentido com essa nova geração tentando praticar Parkour.

Deixe-me explicar o que Parkour realmente é: Parkour é uma prática baseada no movimento que ajuda as pessoas a se tornarem mais fortes fisicamente e mentalmente, os tornando seres humanos mais equilibrados. E assim, com essas bases sólidas estarão preparados para ajudar outras pessoas e a comunidade a sua volta.

É uma definição muito ampla e eu tenho certeza que muitos devem estar pensando : ‘’Beleza, esse ai sou eu, estou praticando o verdadeiro Parkour’’. Mais sugiro a você que pense por uma segunda vez. Detalhes fazem realmente a diferença. Parkour é uma MENTALIDADE. Um estado de espírito, uma cultura de trabalho duro e esforço, são essas coisas que fizeram a atividade existir em primeira instância. Sem essa mentalidade, se a prática tivesse sido criada sendo baseada somente em um terrível vazio, com eventos e mensagens superficiais representadas pela mentalidade da Redbull, o Parkour nunca teria nascido.

Mais uma vez eu repito, visualmente parece tudo a mesma coisa, mas aquilo que está acontecendo por trás de cada salto dentro da mente de cada praticante, é para mim o que define se ele está praticando Parkour ou não. É uma mentalidade que você pode encontrar em muitas pessoas e atividades diferentes, e ela é a essência do Parkour. E não o maldito salto !!

O Parkour deve ser mais pessoal, focando no trabalho interior que cada um precisa fazer para se tornar mais forte de diversas maneiras possíveis, não somente no aspecto físico. Essa é a mentalidade. E você pode encontrar essa mentalidade na pintura, na escrita, nas artes marciais, etc. Na verdade em tudo que fazemos.

Conversando com meu amigo Ido Portal recentemente, confirmei isso. Realmente não se trata daquilo que fazemos, mais COMO fazemos as coisas. Com qual intenção e estado de espírito me sinto mais próximo e me identifico com pessoas que praticam qualquer outra atividade de mentalidade similar, do que com qualquer outro tipo Redbullion que eu possa conhecer.

Quando eu navego pelo Youtube e digito ‘’Parkour’’ ou ‘’FreeRunning’’, eu não consigo me identificar ou me sentir próximo em 99.99% das vezes. Por quê? Interiormente, o que fazemos é completamente diferente. Enquanto no Parkour estamos tentando entender mais sobre nós mesmos, ganhar mais confiança, ser alguém mais feliz, ser mais forte de diversas maneiras na vida, outras parte de praticantes está alimentando seus próprios egos com performances de curto prazo que só irá os levar a mais sofrimento e, finalmente, ao fim de seu movimento e de sua boa saúde.

Há uma clara DIVISÃO entre o que praticamos agora. A palavra Parkour tem sido usada demasiadamente e equivocadamente. Tem perdido sua força e significado. A identidade do Parkour tem sido roubada e explorada. Essa nova mentalidade está hoje representando tudo que nós lutamos contra no inicio, durante a criação do Parkour. Essas grandes marcas vendendo nossa própria cultura de volta para nós mesmos, prendendo-nos no consumo de seus produtos, tentando nos possuir e abusar da imagem do Parkour para promover bebidas energéticas, cassinos, ginásios fechados...Quanto mais você seguir esta mentalidade, menos você é livre e forte.

Isso é bastante preocupante se você parar para pensar. Essa nova mentalidade é justamente o oposto daquilo que deu origem ao Parkour !! Depois de fazer um pouco de pesquisa eu encontrei um monte de pessoas "descontentes" com as campanhas maçantes de organizações como a Redbull dentro do mundo do skate e também no entre os artistas de graffiti. Puristas, talvez sim, porém são pessoas muito atentas em não serem exploradas, que promovem ações para lutar contra essa grande maquina que está roubando deles também.

Eu realmente me sinto muito triste pelo meu amigo Sebastien Foucan, aquele quem começou a se comunicar com o mundo através da expressão ‘’Free Running’’, logo depois do documentário Jump London : A definição original para essa palavra também foi perdida e devorada por esse grande parasita, e agora serve apenas para representar algo completamente diferente de sua visão.

Pense bem no que você está fazendo. Reflita sobre suas ações e movimentos. Por que você treina ? Pelo que você aceita correr riscos ? Seja honesto com você mesmo quando estiver respondendo essas perguntas. E descubra se aquilo que você está fazendo está realmente alinhado com uma filosofia positiva e significativa. Não pense que você é livre e forte por você ter realizado seu novo grande salto e colocado isso no Youtube, ou por ter conseguido um patrocínio de uma marca qualquer.

Eu estive calado até agora e talvez eu tenha perdido alguns ‘’amigos’’ do facebook com essas palavras, mas eu sinto que devo falar tudo isso; pois aquilo que nós estivemos treinando antes está morrendo e sendo substituído por uma piada. Por algo sem profundidade e significado. Eu penso muito nos praticantes sérios que existem no mundo para estar compartilhando esse pensamento, e encorajo todos vocês a estarem se expressando e falando cada dia mais alto !



2 comentários:

Lívia disse...

Muito interessante e altamente importante. Infelizmente, o real valor do parkour está sendo substituído por demonstrações cada vez mais exibicionistas.

Guga Parkour aRua disse...

Fico triste como as pessoas se perdem para o "ego" e acabam com uma coisa tão linda que foi criada , o Parkour vai contra a cultura do PLaneta , por isso é tão difícil manter , e por isso temos que lutar muito mais muito msm para isso se manter , mesmo que entre poucos.