quarta-feira, 2 de março de 2011

Inspire-se, mesmo que em você mesmo.


Depois de algum tempo praticando o Parkour ou qualquer outra atividade, é normal que se note algum cansaço, ou falta de inspiração para seguir. É nisso que tenho pensado muito recentemente, porque eu mesmo sou uma dessas pessoas que já viveu esse tipo de coisa e sempre estou sujeito a passar por isso caso eu não cuide de mim mesmo e das coisas que me fazem estar feliz.

Os anos passam e hoje percebo muitos praticantes mais antigos com falta de inspiração, deixando os treinos mais um pouco de lado por não sentirem mais prazer em se desenvolver na atividade. Alguns ainda tentam lutar contra isso e procurar novas inspirações, outros simplesmente penduram os Kalenjis de vez. Mas para entender porque isso ocorre e tentar buscar uma resposta é preciso voltar lá atrás. É preciso pensar em quando essas pessoas estavam iniciando seus treinamentos e quando cada salto era uma nova descoberta. E para isso quero usar meu próprio exemplo, minha própria história.

No meu inicio a busca por desafios era muito intensa. Aquela sensação de “acho que posso fazer isso com um pouco mais de distancia, ou de altura” era um combustível que parecia infindável. Eu tinha fome de treino, pois a cada treino eu sabia que eu tinha muito a ganhar. Prestes a completar 19 anos, idade não era razão para me desanimar, mas muito pelo contrário, para mim era só mais um fator para que eu colocasse mais metas em meu caminho. Assim eu pensava: “Se eu chegar aos 30 anos com um nível físico e técnico muito bom já me sentirei realizado. Então tenho pouco mais de 10 anos para fazer isso, creio que é tempo bastante”. E eu mal sabia que trabalhando duro, essa evolução viria muito antes do que eu imaginava.

Já com pouco mais de 2 anos de treinamento eu me sentia absurdamente forte como eu nunca esperei estar, tanto que em algumas ocasiões parecia dar igual para mim efetuar uma técnica de maneira certa ou errada pois nesses casos minha força cobria essa deficiência técnica facilmente. Era estranho me dar conta de que no inicio de tudo fazer um planche (muscle-up) era talvez como dar a luz a um filho e que agora fazer 15 planches consecutivos era uma coisa que eu fazia com relativa facilidade. Fazer centenas de landings de cima do muro aos sábados já era uma coisa tão normal quanto comer o pão a cada manhã. O fato é que treinar só com o peso do próprio corpo já não bastava para mim, agora eu usava coletes de peso em diversos tipos de exercícios. Creio que esse ano era o de 2008 quando editei um vídeo com algumas cenas desse ano (Santigas 2008 Parkour Session). Mesmo com toda essa evolução física que estava exaurindo do meu corpo, eu comecei a sentir que aquilo não bastava. Estava muito feliz de ter conseguido em muito pouco tempo oque eu havia planejado para muito mais tempo, porém, me sentia incompleto e sabia que necessitava agora destravar mais minha mente, assim como também meu corpo perante os obstáculos, estava com sede de trabalhar técnicas que deixassem meus movimentos mais leves e mais flúidos. Foi quando eu decidi deixar os treinos físicos mais um pouco de lado, mas sem esquece-los, para assim dar mais atenção aos movimentos.

E foi assim então que comecei a prestar mais atenção aos mínimos detalhes de cada movimento. Corrigia pequenas falhas de postura e tentava fazer de cada simples salto uma busca pela perfeição. Eu encontrei muitas dificuldades nesse período, porque muitas vezes a própria anatomia de meu corpo não me permitia avançar naquilo que eu desejava e isso me deixou frustrado por muitas vezes. Mas isso não durava muito porque logo eu lembrava que o caminho que eu estava percorrendo era apenas meu e não podia deixar com que ninguém dissesse o que era bom ou ruim para mim, mas apenas eu mesmo. E era assim que eu me sentia mais tranquilo e aceitava melhor minha posição. Era assim que eu conseguia tirar meu foco de movimentos padronizados e focar somente em mim. E isso fazia com que eu me expressasse de maneira genuína, não apenas tentando copiar algo já existente. Nesse universo do Parkour, sabemos que muitas pessoas fazem vídeos tentando mostrar algo jamais visto, buscando de alguma forma revolucionar ou provar algo. Isso realmente nunca esteve em minha pauta. Procurei sempre fazer as coisas focando em minha própria melhoria, buscando sempre uma nova descoberta interior. Sempre me alimentei de auto-descoberta. Sinto que 2009 e 2010 foram anos em que senti uma evolução muito grande tecnicamente falando, principalmente durante minha jornada a Europa no segundo semestre do ano passado quando os treinos eram realmente o único propósito em minha vida. E agora, de volta ao Brasil, me encontro em uma fase totalmente nova em minha vida.

Hoje, cada passo que dou adiante, mais me deparo com “a vida adulta”, menos tempo tenho para somente treinar, me divertir e me auto-descobrir. Vejo que de nada irá valer todos esses anos de treinamento árduo se eu não aplicar isso em minha vida cotidiana, seja no trabalho, com a família, nos meus relacionamentos ou em qualquer outro tipo de coisa que eu faça. Saltar, escalar, e todas essas habilidades são oque menos importam. Não treinem somente esperando que em algum dia vão usar o Parkour de forma prática em uma situação real, porque sabemos que a coisa não funciona bem assim.

Uma prova disso é que no mês passado, só depois de 5 longos anos praticando o Parkour eu me encontrei em uma situação em que eu realmente precisei usar de forma prática em minha vida. Eu dormi no apartamento de um primo meu, e no dia seguinte pela manhã necessitava sair para gravar uma reportagem junto aos meus companheiros, porém meu primo havia saído para o trabalho e me trancado dentro de casa. Logo eu vi que havia 2 opções: perder a reportagem, ou descer o prédio pelo lado de fora da janela. Depois de exitar umas 3 vezes eu decidi que iria sair pela janela e descer os 4 andares que me separavam do térreo. Tive um sentimento indescritível quando eu já estava no chão, após descer tudo. Foi a primeira vez em que considero que o Parkour em sua forma prática realmente foi útil em minha vida cotidiana. Mas não creio ser muito inteligente esperar por momentos como esses, a não ser que você trabalhe para o corpo de bombeiros, ou para uma policia especializada. Mas foi bom saber que eu estive preparado quando uma situação como essa bateu a minha porta.

Mas então a pergunta é: Como devo me inspirar para continuar ? Creio que a resposta para isso é muito simples: Continue trilhando o caminho, persista, valorize oque você já tem, tudo aquilo que você já construiu, valorize quem você é, seja criativo, busque novas formas, novos meios, adapte-se. Eu não digo que todos devem continuar a praticar o Parkour, mas que não se deve desistir de buscar algo que inspire e traga auto-conhecimento, força para enfrentar a vida sem se deixar iludir por coisas do mundo que te faça uma pessoa parada e estagnada. Eu nunca desisti do Parkour, porque para mim sempre foi uma fonte de força interior, e até hoje continua sendo. Sinto que meu caminho no Parkour sempre foi muito iluminado, até nos momentos mais críticos. Me considero uma pessoa de sorte por enxergar tudo que essa atividade pode trazer a vida de um ser humano. E também por sempre ter encontrado boas pessoas em meu caminho, as quais boa parte delas considero meus caros amigos, amigos de guerra eu diria, pois a cada momento difícil eu lembro que não estou sozinho nessa empreitada. Hoje é fácil ver que grande parte do que sou, devo a mim mesmo e ao quanto me dediquei ao que me propus.