domingo, 28 de agosto de 2011

Poucas palavras sobre velhos assuntos.



Desde março desde ano tenho vivido em Paris, capital francesa. Tenho tido a oportunidade de estar mais próximo dos fundadores do grupo Yamakasi, e me aprofundar na disciplina praticada por eles. A mesma que eu julgava conhecer muito bem antes, mas que vi que eu tinha muito caminho a percorrer ainda.

É importante entender alguns pontos, ou pra quem já entende, apenas relembrar:

1 - Parkour é uma denominação utilizada por David Belle e criada em 1998. Foi tirada da expressão Parcours du Combatant. É uma idéia que visa a eficiência ou a utilidade no movimento. Sair de um ponto A e chegar a um ponto B da forma mais rápida e eficiente possível. Ele foi inspirado principalmente por seu pai, Raymond Belle, que foi um militar e oficial dos bombeiros da França.

2 - Free Running é um nome que foi utilizado por Sebastian Foucan juntamente ao produtor de Jump London, para divulgar o Parkour no Reino Unido. Parkour não soava muito bem em inglês, então chamaram de Free Running, adaptando assim para o inglês e ajudando a expandir a pratica nos países de língua inglesa.

3 - L’art du deplacement ou Arte do deslocamento em português, representa toda a origem dessa disciplina. Era quando ainda alguns jovens rapazes gostavam de subir telhados e arvores, mas não sabiam muito bem do que eram capazes. Então decidiram buscar isso a fundo em suas vidas. Isso tudo com apenas uma pergunta em mente: Como posso ser forte? Ou melhor: Oque é ser forte? E era apenas essa pergunta que os movia. Então com isso em mente, começaram a desenvolver movimentos e treinos no próprio meio onde viviam. Cada parte da cidade, seja pequena ou grande se transformava em algo fazer algum tipo de treinamento. Em 1997 fundaram o grupo Yamakasi. O grupo original era formado David Belle, Sebastian Foucan, Chau Belle, Guylain N'Guba Boyeke, Charles Perriere, Malik Diouf, Williams Belle, Yann Hnautra e Laurent Piemontesi.

A partir disso creio que posso colocar meu pensamento e experiencia pelos quais vim trazer. Talvez a razão inicial desse texto seja o meu ainda descontentamento com tudo que tenho visto nos dias de hoje em relação a má propagação dessa disciplina. Porém gostaria de me concentrar mais nas experiências que tenho vivido por aqui e tentar passar um pouco dela, mesmo que seja através de poucas palavras.

Bom, desde o ano passado tenho tido a oportunidade de encontrar Sebastian Foucan em diversas situações, e também de trocar bastante idéias com ele, seja em Londres ou em Evry. Foucan é alguem tem sua própria filosofia na hora de se movimentar, e leva isso para sua própria vida. É o tipo de pessoa que nunca vira as costas para alguém. Sempre estimula que os praticantes encontrem seu próprio caminho na hora de se movimentar, e assim, se soltarem de conceitos pré-estabelecidos. A partir daí comecei a entender mais o conceito de Free Running. No principio Foucan tinha a idéia de divulgar o Parkour, mas no final acabou colocando seus próprios ideais dentro da disciplina e seguindo seu próprio caminho. Hoje quando falamos Free Running já pensamos em muitos mortais e movimentos estéticos. Mas na verdade Free Running significa você seguir o seu próprio caminho, seja com mortais ou com movimentos eficientes. Free Running é uma idéia muito ampla, mais ampla do que nós imaginamos.


Isso vai soar meio estranho e confuso, mas David Belle quando criou o Parkour, acabou fazendo um Free Running (mesmo que ainda não existia essa expressão ainda na época). Isso mesmo, pois David Belle é alguém que seguiu seu próprio caminho dentro da disciplina de ser forte. Ele foi atrás do seus ideáis influenciado principalmente pelo seu pai, um bombeiro parisiano, profissão em que eficiência é a palavra de ordem. Ele se concentrava na idéia de movimento útil, mesmo que ainda assim era um exímio acrobata e artista marcial. A verdade é que o fato de ele ser um exímio acrobata e artista marcial também veio dessa mesma idéia de “como posso ser forte?”


Falando um pouco da minha experiência junto aos fundadores Yamakasi , isso tem me mostrado como nunca antes sobre o conceito de ser forte. Ultimamente meus treinos junto a Chau, Williams, Tony e outros, tem sido intensos. Tenho participado de treinos pessoais de cada um deles e descoberto melhor que o treino desses caras vai muito além que apenas oque eles mostram nas classes da ADD Academy. Essa é uma gente que está mais acostumada a ficar em posição de quadrupedia que em posição normal. Ver tudo que acontece pelo lado de dentro é um pouco diferente do que só observar por fora. Disso eu já sabia, mas talvez ainda não sentia. Os treinos são muito duros, muito mais que Parkour Generations ou que qualquer outro grupo com quem eu já tenha treinado. Obsevo muito bem que deslocar-se livremente em um ambiente talvez seja só uma pequena fatia do bolo. Na verdade é a ultima coisa que fazemos. Nunca vi nessa atividade um treino de condicionamento físico ser tão intenso e completo como os que vejo aqui. Toda vez que estou treinando com algum desses caras eu me sinto como se estivesse dentro do universo de Dragon Ball. Não existe ‘’pegar leve’’, nem simplesmente a palavra ‘’treinar’’ para essa gente, la existe apenas a expressão ‘’treinar duro’’. E é assim que vivem suas vidas, treinando duro a cada dia. Não só fisicamente mas mentalmente também.

A partir disso fico imaginando como era o começo, quando David, Sebastian Foucan e outros ainda faziam parte desse mesmo grupo. Entendo melhor que todos eles possuem a mesma raiz, o ‘’TREINAR DURO’’. E cada vez que penso nisso me entristeço um pouco. Me entristeço por que vejo que muita gente que ignora o conceito ligado por trás dessa atividade, o conceito de ser forte. Nunca será possível separar Free Running de Parkour e de Arte do Deslocamento, pois todos tem a mesma raiz, a mesma idéia de buscar ser alguém forte, tanto fisicamente quanto mentalmente. Precisamos entender que somos pessoas únicas no mundo, que cada um de nós possuímos diferenças. E por isso talvez seja possível que se criem mais outros 1000 nomes pra essa prática de saltar, pois cada um tem seu próprio conceito de liberdade, sua própria idéia de ser feliz, todos nós possuímos algo dentro de nós que nos estimula e nos da força para acordar e viver mais um dia de nossas vidas. Mas estarei mais feliz quando as pessoas passarem a não deixar de lado a pergunta básica ‘’como posso ser forte?``, assim elas vão entender que saltar é apenas um meio, e não o objetivo final.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Festival de Hipocrisia no Parkour Brasileiro

É certo que toda a cultura do povo brasileiro influencia diretamente no cenário do Parkour em nosso país. Inclusive aquela parte de nossa cultura que está acostumada a reverenciar tudo que vem de fora de nosso país, esquecendo assim de nosso próprio valor como indivíduos. E a mídia só ajuda cada dia mais esse tipo de coisa.

Nesses últimos dias todos nós da comunidade brasileira de Parkour, presenciamos um fato que nunca havíamos presenciado nunca antes em parte alguma do planeta. A competição de Free Running, Redbull Art of Motion, foi invadida por dezenas de indivíduos, com o a idéia inicial de fazer um protesto contra competições de Parkour ou Free Running. De fato, essa história começou a muitos meses atrás, quando a RedBull começava a organizar o evento juntamente com alguns membros da ABPK.(Associação Brasileira de Parkour), e ao que me parece esse fato foi apenas a ponta do Iceberg. A comunidade Brasileira de Parkour tem evoluído de uma forma bem peculiar, isso é fato. Gostaria de colocar alguns pontos de tudo que penso a respeito de campeonatos, Parkour, Free Running e de tudo que vem acontecendo recentemente.

Vejo que essa divisão entre Free Running, Parkour e etc, sempre foi um grande problema para nós Brasileiros, talvez mais que em qualquer outra parte do mundo. Vivemos em um país grande, com diferentes culturas, diferentes convicções, e no Parkour não é diferente, vejo milhares de visões e filosofias diferentes sobre a arte que praticamos. Tudo isso é uma grande hipocrisia. SOMOS TODOS INFLUENCIADOS POR UMA MESMA ARTE, A ARTE DE SE MOVER PERANTE OBSTACULOS. A diferença é que alguns não sabem ou esquecem porque fazem isso.

Eu já estou nesse meio, já faz hoje quase 6 anos e pouco me importa isso, poderia ser 1 ou menos que isso, daria igual. Porque sempre estive convicto de minha postura como praticante, desde meu inicio quando ainda eu não sabia nem como fazer simples movimentos. Eu sempre soube porque eu salto, escalo, rolo, e porque não, também giro, mesmo que nunca tenha sido meu foco principal por uma opção minha. Mas vejo gente que mesmo com muitos anos de treino nas costas ainda não sabem bem porque fazem isso, ou se sabem, fazem isso por motivações superficiais, uma busca intensa por ego e reconhecimento. Não é oque sempre fiz e oque sempre tentei mostrar. Tenho amor pelo que faço, e tenho meus motivos que me fazem continuar a praticar, mesmo que meu objetivo seja muito diferente do objetivo de muita gente que conheço, até mesmo amigos próximos a mim.

Desde sempre, nunca apoiei competições de Parkour ou Free Running. Para mim as duas atividades tem a mesma origem, são a mesma coisa. La atrás quando ninguém pensava em fazer na possibilidade de subir um muro na rua, Foucan, Belle, Yann, Chau e outros começaram juntos a desenvolver uma ideia que visava uma busca interior, e assim compartilharam desse mesmo espirito de treino durante anos. Aquele mesmo espirito que os motivava a quererem estar cada dia mais fortes, apenas isso. Mas em algum momento da história esse espirito foi perdido, ou foi condensado pela mídia, que só esta interessada em fazer dinheiro e conquistar audiencia. Para mim o RedBull Art of Motion representa bem isso, O ESPIRITO DA ATIVIDADE SENDO PERDIDO, ou se não está sendo perdido totalmente, em alguns casos está sendo simplesmente vendido, de forma bem barata. Falo isso, porque sei que muita gente que está participando desses campeonatos, são pessoas que possuem um bom espirito de treino e sabem bem oque fazem, são ótimas pessoas. Mas não consigo entender porque algumas dessas pessoas por quem preso tanto, vendem todo o valor que possuem de forma tão barata. Não consigo entender porque a busca por prestigio e reconhecimento deva ser maior que a busca interior. Isso eu realmente não entendo.

Mesmo assim, tenho que dizer que eu e todos que não concordam com competições dentro dessa atividade não podemos fazer tantas coisas para impedir que isso aconteça, pois esse é o mundo em que vivemos, esse é o ser humano. Quem acha justo um rei transformar dois guerreiros em escravos, e obrigarem eles a se enfrentarem até a morte em uma arena perante a um grande publico e apenas para se ter diversão e promover seu governo?? Repito, esse é o ser humano. Em competições dentro do Parkour, existe um pouco disso, são os reis dos dias atuais usando a habilidade dos demais para fazer crescer seu império. Gostaria de perguntar a cada um dos que participam desse evento, quantos gostam de RedBull como bebida ou estão realmente engajados a difundir essa marca, se realmente acreditam na RedBull como um propósito de vida. Porque na prática, é isso que cada um desses participantes estão fazendo. Estão apenas vendendo suas horas de treino e esforço, para promover uma lata contendo um produto químico dentro. Seu Parkour vale realmente isso?? Pois é oque parece. Ao meu ver, não são na pratica, livres como pensam ser.

Realmente eu posso entender que para muita gente, assim como para mim, o RB Art of Motion é algo que não tem nada do verdadeiro espirito da atividade, posso entender a indiguinação de muitos. E a vontade que da, é realmente de fazer isso que aconteceu de fato. Da vontade de invadir o palco principal e gritar a todos oque pensamos. Mas quem nos da o direito de fazer isso?

Não achei legal a forma de protesto, mesmo que entre os idealizadores estejam pessoas que sempre admirei muito e que sempre me inspiraram de alguma forma. Se praticar o Parkour é uma busca constante para ser forte, tanto fisicamente quanto mentalmente, eu acredito que esses praticantes de alguma forma não tiveram força suficiente para deixar de fazer oque fizeram e evitar mais divisão. Foi um ato imaturo, que só fez com que essas pessoas ficassem ao mesmo nível do evento. Promoveram algo, que no final só servirá para causar mais divisão e intrigas. Fiquei muito triste ao saber que pessoas quem sempre admirei estavam envolvidas nisso. Mas apesar disso, eu entendo o sentimento que as moveram, porque eu compartilho talvez desse mesmo sentimento.

Na minha visão de mundo, a melhor forma de se mudar algo, é você ser essa mudança. Então não consigo pensar em uma outra forma melhor de protestar contra campeonatos dentro da atividade, do que tentar fazer tudo que vai ao oposto disso e fazer com que essa ideia atinja cada dia mais pessoas. Enquanto a comunidade Brasileira não se unir de verdade em torno do que realmente interessa, fatos como esse vão se repetir, as pessoas vão continuar se agredindo, e vai haver mais divisão. Foi fazendo as coisas ‘’a base da força’’ que se houve as maiores tragédias da raça humana

Se não existisse a RebBull, seria uma outra organização que faria campeonatos, não há como evitar, podemos chorar, rolar no chão, espernear, isso não vai mudar assim tão repentinamente. Talvez algum dia mude e não existam mais pessoas tão interessadas em prostituir o Parkour, ou se promover através dele. Mas não é interessante perder tempo esperando muito por isso, nem formulando planos mirabulosos que farão as competições acabarem. Melhor que você seja a mudança que você que ver nesse meio, assim talvez algum dia cheguemos lá