quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Liberdade é disciplina.


Tenho visto nos dias de hoje muitas iniciativas relacionadas ao ensino do Parkour, principalmente em território nacional. E é legal observar que os praticantes tem se preocupado em transmitir a disciplina às próximas gerações . Eu, como alguém que também se dedica a esse tipo de ação não posso deixar de contemplar todo esse movimento sem reparar na forma como ele ocorre.  Creio que assim como qualquer outra atividade, se o Parkour é passado adiante sem um mínimo de responsabilidade e comprometimento para com a atividade, acaba-se gerando situações desagradáveis, ou pior, a formação de não apenas praticantes medíocres, mas também pessoas medíocres.


No Parkour sempre houve esse discurso sobre liberdade. Não conheço um que não fale sobre Parkour sem antes falar sobre a sensação de ‘’estar livre’’ que o Parkour oferece. Eu como a maioria também me sinto livre quando estou praticando, porém não confundo esse sentimento liberdade com o desleixo. E esse é um ponto super importante quando estamos falando sobre ensinar Parkour. Pelo contrário do que muitos pregam, Parkour não é sobre sair por ai sem um mínimo de preparo buscando fazer coisas mais impressionante que os demais sob o argumento de que ‘’Parkour é livre’’. Parkour é sobre progressão gradual, disciplina, sobre longetividade. Muitos instrutores negligenciam algumas dessas etapas que são fundamentais para o desenvolvimento do praticante. Já vi instrutor aqui no Brasil dizendo abobrinhas como ‘’Antes do inicio dos treinos a coisa mais importante é saber a diferença entre Parkour e Free Running’’, ou outros que focam os treinos apenas em saltos aleatórios, com meia hora de conversa entre eles ignorando totalmente o significado de treino e o prévio condicionamento físico necessário para aquele salto.


Não acredito em um Parkour livre que não seja um Parkour que envolva disciplina, perseverança, respeito a si próprio e a seu corpo, nem acredito em uma aula de Parkour que não envolva esses aspectos. Não acredito nesse conceito de liberdade que envolva graves lesões ou mesmo lesões crônicas que forcem o praticante a abandonar sua prática com poucos anos de treino. E mais, não acredito nessa liberdade que faça com que os praticantes se rivalizem ou mesmo se desrespeitem entre si ou para com a sociedade que os cerca.

Para mim, um verdadeiro praticante de Parkour é aquele que sabe de suas limitações físicas, nem por um minuto brinca com elas por mero prazer ou para mostrar superioridade aos demais. Ele sabe como deve se portar perante a sociedade, reconhece que se quer que alguém o respeite, primeiro deve respeitar. É firme em suas decisões e não decide fazer um salto sem saber que é capaz de faze-lo. É alguém que preza não só pela força física, mas pela força mental e para isso o praticante se desafia a todo momento, ele planeja, faz metas e tem foco. Quem pratica o verdadeiro Parkour sabe que não existe treino com começo, meio e fim, o treino é a todo momento, seja de uma forma ou de outra, ele está sempre preparado. Ele não espera alguém lhe dizer o que é preciso fazer, ele mesmo sabe oque deve ser feito e não exita em se colocar em ação. Mais importante que tudo, ele sabe que a vida é um bem precioso, então ele a valoriza e com isso passa a valorizar a si mesmo.


Essas qualidades que acredito que um praticante deva ter são fundamentais para aqueles que pensam em passar o Parkour adiante. Ensinar Parkour não é sobre ensinar alguns movimentos ou brincadeiras, nem mesmo sobre passar algumas flexões, outras tantas precisões e finalizar o treino. Ensinar Parkour é mostrar um caminho para guerreiros, uma maneira de pensar e agir. É mostrar um caminho de difícil acesso mas com grandes recompensas. É mostrar que não há aprendizado sem a doação por completo naquilo que está sendo praticado. Não é possível ser um bom instrutor sem antes ser um bom praticante, e é por isso que me preocupo quando vejo instrutores querendo ensinar o caminho das pedras sem mesmo antes ter passado por lá. Pior que enganar outras pessoas é enganar a si mesmo, e isso agente aprende no próprio treino de Parkour. Ali é um terreno onde não é possível se esconder, ou é ou não é, ou 8 ou 80. Um bom instrutor de Parkour se revela mais nas coisas que ele faz, não nas que ele diz. Não digo que um instrutor deve fazer 5000 agaixamentos ou um salto super incrivel para ser bom, mas que ele deve buscar ser um exemplo a todo momento, ser fiél ao caminho escolhido. Ser o primeiro a se colocar de pé quando todos já estiverem caídos, estimular os demais e continuarem. Ser o último a beber água e o primeiro e estar pronto para continuar.


Ser um instrutor de Parkour é uma grande responsabilidade e só é possível assumir esse papel se você antes assume que você tem realmente algo de valor a ser passado. É preciso até mesmo saber parar de exercer esse papel quando necessário, pois nem sempre temos todas as respostas. Ensinar Parkour não é apenas ensinar um método de se movimentar, é mostrar um método para a vida.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Ser forte para não ser tão útil.


Durante minha vida tive a oportunidade de conhecer e me envolver com pessoas de diferentes nichos sociais. Desde aqueles com muitos recursos até aqueles que lutam para viver com o pouco que tem. Dentro da esfera do Parkour nunca foi tão diferente, há os que têm muito e os que têm pouco. Porém constato aqueles que fazem muito com a pouca habilidade que possuem, também aqueles que não conseguem encontrar uma utilidade com toda a força e técnica que lhes sobram.

Quem me conhece sabe que sempre enalteci o termo ‘’Ser forte para ser útil’’, até mesmo quando eu ainda não entendia bem seu significado e o interpretava de forma errônea.  Me lembro que no inicio esse termo me servia de combustível para sempre estar treinando de forma mais intensa. Acreditava que em algum momento aleatório todo esse ganho físico e mental poderia me servir para algo construtivo. Mesmo assim ainda não conseguia visualizar a real utilidade para treinar tanto, simplesmente o fazia. 


A verdade é que eu tinha sede por descobrir tudo aquilo que eu poderia fazer com meu corpo dentro da atividade e isso alimentava meu desejo por treinos de repetições. Não havia sentido ir para um treino, fazer alguns saltos, algumas subidas de muro e voltar para casa. Para mim não era um treino se não houvesse um foco em algo que me fizesse gastar horas apenas moldando aquele determinado movimento, ou determinada técnica. Por muitas vezes passei do meu limite, não me respeitei, vieram dores crônicas, stress muscular, distenções e até hoje meu corpo paga por alguns desses treinos que fiz. Mesmo assim eu continuava me questionando e tentando encontrar uma real utilidade na minha vida para eu estar fazendo todo aquele esforço.

Não faz tanto tempo que minha visão sobre isso começou a clarear um pouco e tive algumas conclusões a respeito desse tema. Quando eu ainda vivia na França eu via uma real necessidade de falar o idioma francês pois se eu não aprendesse iria realmente passar muitas dificuldades. Me vi em uma situação sem muita escolha. Eu nunca escolhi aprender esse idioma, ele um dia simplesmente bateu a minha porta e falou que teria que entrar de qualquer forma. Naquele período acabei me desenvolvendo através desse novo idioma com a ajuda da minha esposa, com isso passei a me comunicar naturalmente com a população local facilitando minha adaptação. Quando voltei ao Brasil no ano passado, decidido a me estabelecer por aqui, simplesmente deixei o francês de lado. Não é mais uma necessidade, não é mais tão útil para minha vida como era antes. Contudo, ainda consigo praticar um pouco com minha esposa às vezes, de certa forma é um pouco inevitável pelo fato de essa ser a lingua materna dela.

Homem forte ?
Homem forte .
                                                                   
Depois que comecei a agir de forma realmente útil na minha vida sinto que muitas coisas mudaram, inclusive meu porte físico. Menos massa muscular, mais resistência. Sinto que tenho aprendido a treinar de uma forma um pouco mais inteligente que antigamente, mas claro, sem deixar o espirito guerreiro de lado. Penso que se puxar e se desafiar é fundamental para a mente e para o espírito e por isso ainda crio treinos com repetições, desafios envolvendo saltos, ainda treino para ter força e explosão, mas sinto que hoje não passo do ponto em que acho realmente necessário para meu corpo e para minha vida. Não faço esses treinos por fazer, nem a todo momento, eu penso no que realmente é importante para mim antes de entrar em cena. Depois que comecei a dar aulas de Parkour aqui em Brasília sinto a necessidade de passar uma visão de Parkour mais ampla, menos elitista, menos engessada e mais funcional. Quero que cada um que venha aprender Parkour comigo, aprenda primeiro a saber sobre si mesmo e suas limitações. Não quero ser sempre a pessoa que irá dize-los em que momento parar e até onde devem ir, quero que cada um deles aprenda a se guiar dentro da prática e descobrir seu suficiente. Afinal, o Parkour não é nada mais que isso, a descoberta da autonomia ou a auto-descoberta.

Eu concordo que tudo é um processo natural e que as coisas acontecem em seu determinado tempo. Quando eu iniciei meus treinos, por exemplo, não tinha nenhuma idéia disso tudo e só queria ser bruto, sem uma razão clara para isso. Mas nunca deixei de me perguntar ‘’Para que isso tudo realmente me serve?``.  As vezes observo praticantes já com muitos anos de treino nas costas que não conseguem utilizar essa experiência para construir algo realmente útil em suas vidas. A falta de questionamento e de iniciativas úteis fazem com que muito potencial seja simplesmente jogado ao ralo. Por um outro lado observo muitos praticantes com pouco tempo de treino, pouco desenvolvimento dentro da atividade, mas que já encontraram um propósito ou uma utilidade. Sabem aplicar o pouco que tem em suas vidas e desenvolvem boas idéias.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Parkour Kids Brasília

Recentemente produzi uma rápida chamada em video para as aulas de Parkour infantil aqui em Brasília.Tem sido uma experiência incrivel lidar com esses pequenos através do Parkour. É realmente instigante perceber o desbloqueio mental que eles possuem para efetuar movimentos do Parkour. Penso que se toda criança fosse estimulada desde criança a saltar, escalar, correr, rolar, efetuar movimentos naturais que começam a florecer em seus corpos, talvez viveriamos uma sociedade onde o medo não estivesse presente de forma intensa como é hoje. Fica ai a dica.


quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Momento Parkour 2 - The Dark Night Rises

Há algumas semanas atrás fiz uma postagem sobre o filme ''O senhor dos anéis - A sociedade do anel", onde percebi um momento do filme em que o Parkour de alguma forma estava presente (Você pode conferir o post aqui). Decidi dar prosseguimento a essa idéia e criar uma série de postagens com o objetivo de identificar o "Momento Parkour" em longa-metragens e super produções hollywoodianas. Hoje trago uma observação sobre o filme Batman - The Dark Night Rises de Christopher Nolan e estrelado por Christian Bale (Bruce Wayne).



Bom, aos Parkourzeiros de plantão que já assistiram a esse filme creio não haver dúvidas de qual é o momento em que o Parkour está presente de forma mas escandalosa. Eu acredito que esse momento começa exatamente quando Bruce Wayne é mandado a prisão de Black Gate pelo vilão Bane. Ali ele se encontra com uma lesão grave nas costas adquirida em confronto direto com o principal vilão da trama e é praticamente decretado seu fim. É quando ele acaba descobrindo que há uma única forma de escapar da prisão : Escalando os muros desse grande e profundo poço que é Black Gate. 

A partir desse momento Bruce começa um trabalho para se reerguer, primeiro concertando suas costas com a ajuda de um companheiro de prisão, depois fazendo um trabalho de fortalecimento do corpo. Ali percebe-se o empenho do personagem para estar preparado ou apto para a escalada de fuga, uma mentalidade que é indispensavel a qualquer praticante de Parkour que deseja efetuar um movimento ao qual ainda não está preparado. Acredito que esse momento de lesão seguido da re-composição física e mental é muito presente na vida de um atleta, e com um praticante de Parkour não poderia ser diferente. É preciso haver sempre motivação e empenho para voltar ao nível desejado.


Logo após sua recuperação física, Bruce Wayne efetua sua primeira tentativa de fuga. Amarrado a uma corda para servir de segurança o personagem segue escalando em direção ao topo do poço. Ele chega a uma parte do percurso em que precisa efetuar um salto de uma plataforma a outra para continuar seu caminho. No Parkour esse tipo de salto que é mostrado chamamos de ''Salto de Braço'', ele consiste em saltar de um ponto X a um outro Y e usar os braços para se agarrar ao ponto de aterrissagem. Apesar de não ser detectavel uma movimentação técnica do Parkour no salto de Bruce, é realmente instigante a cena para qualquer um que já praticou o Parkour pois é um salto que envolve uma grande altura e aparentemente consideravel distancia. Ao falhar em sua primeira tentativa o excêntrico bilionário é salvo pela corda que ele havia amarrado como segurança caso caisse. Mesmo que não fosse um salto com grande distancia sabemos que o fato de haver um abismo abaixo gera um desafio mental muito grande pois qualquer erro pode significar a morte. E é ai que entra a parte em que considero a mais legal de toda essa sequencia.






Depois de assistir através de uma tela na prisão (que prisão chique) o caos que Bane estava aprontando na cidade de Gotham, Bruce se enfurece e decide ir para sua segunda tentativa de escalada. Considero como o ''Momento Parkour'' toda a sequencia pois até os diálogos apresentados são reflexões que costumam ser feitas pelo Tracer ou Traceuse. Nesse momento em que Bruce Wayne está dominado pela raiva e faz uma de suas sessões de abdominais ele é avisado pelo seu companheiro de cela: "O salto para a liberdade não requer força'', ''A sobrevivência é o espírito da alma'', ''O medo é o fracasso''. Mas a ira de Bruce era maior e ao tentar escapar pela segunda vez, nem à plataforma ele chega, é logo derrubado pelos paredões do poço mas salvo pela corda que o amarrava mais uma vez. Trazendo isso para o mundo real, nos momentos em que vou enfrentar um novo salto no Parkour eu sempre busco limpar minha mente e focar apenas naquilo que interessa, o salto. Sentimentos como o exesso de medo, a raiva, ou até mesmo o exesso de confiança podem acabar te derrubando durante a execução de alguma técnica no Parkour. Sentimentos desse tipo vão estar sempre presentes e cabe a você mesmo saber como reagir a eles. Muitas vezes nosso próprio potencial físico é inibido pelo nosso bloqueio mental e acredito o personagem Bruce nesse dia experimentou um pouco dessa sensação.


Bruce ficou desacordado após sua ultima tentativa, e ao despertar começa um novo diálogo com seu companheiro de cela. Ele mostra ao Batman que para liberar seu real potencial de ação era necessário que ele voltasse a ter medo. É nessas horas que lembro que o medo tem um papel super importante na vida de um ser humano. Acredito que esse sentimento é inerente a todos nós (aquela famosa frase "quem tem cú tem medo''), mas o exesso ou a ausência desse sentimento podem ser prejudiciais. Percebo que aqueles que aprendem a controlar ou canalizar o medo tem seus caminhos bem sucedidos, e acredito que era essa a mensagem que o velho queria transmitir a Bruce durante a história. O medo precisaria voltar ao Batman para que ele ativasse seu instinto de sobrevivencia e manifestasse o real potencial de seu corpo. E para isso era preciso fazer a escalada sem a proteção da corda. O Cavaleiro das Trevas topa o desafio e decide tentar a escalada mais uma vez, mas dessa vez sem a corda para lhe dar segurança. Ao som do grito ''ressurgir'' cantado em alto e bom tom pelos companheiros de prisão Bruce Wayne chega novamente até o maior desafio da escalada, o salto de braço. Nesse momento surgem morcegos por toda a parte, para simbolizar o medo de Bruce (quem conhece a história do Batman, sabe que o morcego é algo que Bruce Wayne teme desde a infancia). Ao visualizar o salto Sr. Wayne então fecha os olhos e se concentra para o movimento, creio que tentando canalizar sua força para atingir seu objetivo. Ao ao serem abertos, os olhos de tigre focam o salto e seu corpo explode em direção a segunda plataforma até que seus braços agarram firme o concreto deixando seu corpo dar o balanço de chegada. Estava feito assim o salto ''impossivel'' descrito por Christopher Nolan em seu roteiro. Após seu exito no salto, Batman termina o restante de escalada e parte para salvar Gotham de seus inimigos.







Acredito que qualquer um que esteja inserido no mundo do Parkour vai se identificar muito com essa sequência pois esses elementos que citei acima estão também presentes no cotidiano de qualquer Tracer, ou mesmo qualquer atleta em geral. Particularmente achei bem legal toda a trilogia do Batman de Nolan e também essa idéia de tentar trazer o super herói mais para perto da realidade. Acredito que só faltou mesmo alguém do Parkour para coreografar melhor esse salto. Mesmo assim não perdeu seu brilho nem sua mensagem, fica ai a dica de filme e reflexão. Bons treinos.