Hoje, apenas três dias passados após o desafio dos 1001 muscle-ups, ainda me sinto como se fosse uma árvore após uma forte tempestade, galhos marcados pela destruição, porém, com a raiz ainda firme e fixa em seu devido lugar. Por vezes até me esqueço, mas é realmente boa a sensação de dever cumprido e até mesmo essas dores que ainda estão bem vivas pela parte superior do meu corpo (principalmente pelos braços). Realizei minha ultima repetição ás exatas 19h00 quando o dia já se despedia e a noite começava a dar seu ar. No total foram 1001 muscle-ups em uma dezena de horas cravadas. Compartilhar essa experiência com palavras está longe de ser suficiente, longe de ser coerente e bem distante de ser alguma fração de realidade. Mas mesmo assim vou tentar descrever um pouco de como foi minha experiência nessa intensa e dura jornada de 10 horas, e para isso resolvi dividir tudo em partes :
Prévias considerações
Oficialmente o desafio começou as 6h00 do dia 23 de dezembro de 2012. A
idéia era imbecil mas bem simples, fazer 1001 planches em no máximo 24 horas.
Na noite anterior ao evento, eu fazia compras e preparava uma logística mínima
para que pudesse me servir de suporte. Água, bebidas isotônicas, barras de
cereais, frutas e pão foram algumas das coisas que priorizei, eu já sabia que
não poderia comer nada que fosse muito pesado e ao mesmo tempo teria que ser
algo que me desse energia. Esparadrapo e protetores para a mão eu preferi
dispensar, mas por uma questão um pouco lógica relacionada ao local que escolhi
para o desafio. Antes de dormir eu mudei um pouco meus planos e decidi que não
iria começar às 6 horas da manhã e sim às 9 horas para que eu pudesse me sentir
bem descansado.
O famoso ‘’galho do planche’’ localizado na 308 sul foi o terreno que
elegi para realizar as repetições. Quem o conhece sabe que ele não é fino como
uma barra comum além de ter uma textura diferenciada, fatos que não eliminam a
possibilidade de calos e bolhas mas a diminui consideravelmente . E por isso
resolvi não ter proteção para as mãos. Em contrapartida o plancheiro é obrigado
a usar mais os pulsos e adotar uma posição mais enganchada, condição que
prejudica ou causa dores em alguns. Particularmente eu sempre gostei de fazer
muscle-ups nessas condições, principalmente em galhos de árvore. Além do mais, quando
estive pensando nesse evento me dei conta de que eu não poderia faze-lo em um
outro lugar que não fosse o nosso querido ‘’galho do planche’’ localizado na
308 sul. É como se a final da Copa do Mundo no Brasil não pudesse ser realizado
em outro lugar que não fosse o Maracanã.
Depois de uma noite bem dormida, tomei um café da manhã bem básico apenas
com algumas frutas e pedaços de pão. Fiz os preparativos finais e sai. Cheguei
a 308 sul faltando uns 15 minutos para as 9h00. Para a minha surpresa, por lá
já estava o Manoel e sua contagem já estava em 50 ou 70, não me lembro bem. Mas
aquilo que me deixou mais feliz foi de saber que eu não estaria sozinho pois
originalmente a única pessoa com quem eu estava contando de fazer junto acabou
tendo problemas e desistindo alguns dias antes. Essa minha alegria de ver que
eu estaria acompanhado se consolidou com a chegada dos demais: Admilton(Picolo),
Rodolfo, Leonardo e Milano e Gustavo. Todos eles haviam planejado vir e fazer
planches junto comigo, eu só não sabia disso! Pensava que ninguém havia animado
muito com a idéia. Bom, sorte a minha, pois tinha consciência de que iria ser
mais difícil estando sozinho.
Minha idéia foi tentar manter o mesmo ritmo do meu treinamento nas
semanas passadas, 100 planches em 1 hora, 200 em 2 horas, 300 em 3 horas e
assim por diante. Dessa forma eu chegaria aos 1000 planches em mais ou menos 10
horas. Mas eu sabia também que iria precisar comer e descansar em alguns
momentos. Sendo assim bolei um plano previamente que consistia em fazer 50
repetições em no máximo 30 minutos. Se eu terminasse em mais de meia hora seria
um prejuízo, mas se eu terminasse antes eu contaria esse tempo para comer ou
descansar. Por exemplo, se eu terminasse os 50 planches em 25 minutos, eu teria
5 minutos para descansar , beber ou comer se eu precisasse. No caso de eu não sentir
necessidade de descanso eu apenas continuaria e esse tempo-extra acumularia
para ser usado depois. Mesmo com essa idéia eu tentei manter uma média de 2
repetições por minuto, contudo essa idéia não foi seguida a risca em muitos
momentos. Optei por fazer séries de duas repetições seguidas, e foi assim do
inicio ao fim.
O inicio
Do inicio às 9h00 até a repetição de numero 300 foi relativamente tranquilo. Eu
já havia chegado a essa marca na semana anterior então para mim já era um
terreno conhecido. Até ali eu não havia comido nada e bebido pouca água. As
mãos estavam inteiras e eu não sentia nenhuma dor ou dificuldade para
continuar. Já havia se passado 2 horas e 40 minutos desde o primeiro
planche e eu havia melhorado meu tempo em 10 minutos em relação a semana
passada. Apesar de ter planejado dar uma pausa maior nos 300 eu não vi razões
suficientes para isso naquele momento, então decidi fazer essa pausa maior apenas quando
chegasse aos 500.
O meio
Dos 300 até os 500 foi uma nova descoberta, confesso de começou a dar um
certo trabalho. Eu transpirava mais, começava a sentir fome, a sede vinha com
maior frequência e minhas mãos começavam a arder. Nesse meio eu comi umas duas
barrinhas de cereal e a água já havia se esvaziado. Terminei os 500 faltando
uns 15 minutos para as 14h00, eu estava inteiro, sem nada preocupante nas mãos
apesar da ardência. Eu estava com bastante fome e meus braços já mostravam
sinais de cansaço. Meus tendões abaixo do bíceps estavam um pouco doloridos,
isso me fez lembrar de uma época que tive tendinite crônica nessa parte, mas
agora não era uma dor nada comparável as dores daquela época. Já na metade do
percurso, tirei um descanso de aproximadamente 25 minutos, foi o tempo
suficiente para encher o galãozinho de água, comer um pouco das coisas que eu
havia trazido e descansar. Nesse tempo eu só pensava “puts tudo isso que fiz
até agora é apenas a metade do caminho, tenho que fazer isso tudo mais uma vez’’.
Picolo e Leo foram comprar coisas para comer no mercado perto dali, então
decidi pedir a eles que trouxessem um esparadrapo. Apesar de minhas mãos
estarem com uma leve ardência eu já estava preocupado que isso se transformasse
em uma bolha em breve. Então fiz uma proteção nas duas mãos antes de recomeçar.
Era 14h10min quando recomecei as séries. Quando cheguei aos 600 resolvi tirar
por completo essas proteções pois elas estavam mais me atrapalhando do que
ajudando, estava tornando o movimento mais escorregadio. Minhas mãos apesar de
arderem não pareciam virar bolhas, então resolvi confiar nisso e seguir.
O fim
Dos 600 até os 1001 é onde considero que houve a verdadeira guerra,
principalmente psicológica. Quando faltavam ainda 400 repetições para terminar
eu já estava psicologicamente abalado, as dores nos braços se intensificaram e
os planches estavam mais pesados apesar de estarem retos. A ardência na mão
aumentava gradualmente a cada planche, eu começava a sentir uma moleza e vontade
de só ficar parado e descansar. Apesar disso eu mantive o ritmo proposto
inicialmente.
Eu não me lembro muito bem em que período os meus amigos haviam parado,
mas sei que eles haviam chegado em suas metas. O Leo completou 501 como se
estivesse matando um Leão, me lembro de sua guerra interior ao fazer os
planches finais. Me lembro também de Picolo que completou 501 de uma forma admirável.
O Manoel já havia ido embora, não lembro bem em que numero ele parou mas creio
que foi por volta dos 300 ou 400. Tivemos uma surpresa também do nosso ilustre
amigo oldschool Thiago Brasil, ele veio e cumpriu sua meta de 100 planches, nos
abençoou com sua presença e depois foi embora. Havia por ali também o jovem Gustavo
que não lembro bem quantas repetições ele realizou porém creio também que ele chegou
em sua meta. O Rodolfo estava com uma lesão em sua mão e por isso resolveu
fazer seu desafio em forma de barras normais (pull-up), ele também realizou 501
repetições. Eu fiquei impressionado com todos, pois sei que foram até seus
limites e se puxaram de verdade. Fiquei realmente muito feliz por eles.
Quando cheguei a 800, meu corpo já não me pertencia, eu
estava simplesmente seguindo, continuando. Eu já não planejava mais quando eu
iria beber água ou comer, eu simplesmente o fazia e voltava para as repetições.
Me lembro de um momento em que uma das repetições saiu meio torta e com
dificuldade, e de Rodolfo ter me olhado com uma cara de preocupação pois até
ali todos os planches haviam saído retos e em boa forma. Eu tentei me manter concentrado para
continuar bem.Os planches realmente estavam bem mais pesados, mas eu tinha em
mente que eu não poderia deixar meu corpo fraquejar, tinha que manter o nível de
explosão mesmo que precisasse descansar um pouco mais entre as séries.
Me recordo também de um momento em que deitei e só quis ficar lá
despejado ao chão, eu creio que se ficasse ali não seria muito difícil de
esquecer o desafio e só dormir, foi o momento em que Leo veio e deu uma ‘’xaropada’’
comigo. Me dei conta de que não poderia amolecer, pois eu já estava quase na
reta final. Faltavam 100 planches e de acordo com meus cálculos e se mantivesse
aquele ritmo eu iria terminar às 19h20min, ou seja, depois do tempo previsto.
Isso significava que eu estava em prejuízo e precisava correr para ganhar 20min
se quisesse cumprir o tempo. Mesmo não me importando mais se iria terminar
antes ou depois das 19h00 acho que meu próprio corpo reagiu a essa situação e
percebi que eu realmente estava fazendo mais rápido e descansando menos entre
as séries. Creio que o fato de eu saber que estava perto do fim e querer terminar
logo se confundiu com a vontade de tirar esse atraso em relação ao tempo. O Leo
continuou a fazer planches para me acompanhar até o final. Quando faltavam apenas 50 eu procurei ficar mais concentrado e não perder tempo a toa conversando ou bebendo água, senti que o final estava próximo e que meu corpo estava desejando mais do que nunca passar da linha de chegada.
Quanto mais o fim se aproximava, parecia que mais eu ganhava energia e velocidade. Faltavam agora apenas 3 para terminar, eu estava em 998. O objetivo era ir até 1001 e não 1000 ( A ultima repetição é sempre dedicada aos que não puderam estar presente, por isso sempre fazemos 1 a mais). Nesse momento antes do final Rodolfo veio e arriscou um planche mesmo com as mãos lesionadas para coroar aquele final, dito e feito. As ultimas repetições antes do fim vieram potentes, retas e todas as 3 em sequência. É incrível a sensação de ganhar energia quando você acha que não tem mais nada. Ela vem justamente quando você vê que está perto do fim e a vontade de terminar é grande. Eu me lembro de todos terem feito a contagem final em voz alta. Eu olhei para o relógio, eram 19h00 em ponto, um final mágico para aquilo que eu estava esperando.
Considerações finais
Após terminado, bebi uma quantidade maior de água e fomos todos comer um
açaí para festejar e nos alimentar ao mesmo tempo. Me lembro de ter entrado no
carro e não ter tido muitas forças nos braços para dirigir, eu o fiz com uma
certa dificuldade. Após o Açaí eu só queria estar em casa e dormir. Apesar de
ter previsto e planejado muitas coisas eu não previ que não iria conseguir ter
uma noite de sono após o evento. Após um bom banho eu simplesmente me deitei
sem nenhum tipo de roupa no corpo, coloquei uma boa música e relaxei. A
sensação de relaxamento do corpo era inversamente proporcional às dores que eu
sentia. Eu já sabia que eu teria que saber me cuidar bem sozinho nesses dias. Foi uma noite bem complicada, eu dormia um pouco, e
acordava com as dores latejando pelos braços, e foi assim durante toda a noite.
Minha véspera de Natal foi toda na cama, comendo e dormindo. Desde ontem (25 de
dezembro) já me sinto consideravelmente bem, como se tivesse feito apenas um
treino puxado. Vejo que a recuperação está sendo rápida. Tenho dores musculares
aparentemente normais, nada comparado aquela primeira noite de sono após o
desafio.
É difícil explicar para as pessoas a razão de eu ter feito isso pois sei
que elas não digerem bem quando explico. Mas eu já sou alguém acostumado com
isso desde que entrei no mundo do Parkour. Talvez a melhor forma de se entender
é criando uma meta muito distante e correndo para cumpri-la, não fiz nada de
diferente disso. As pessoas se espantam
quando digo que não ganhei nenhum tipo de prêmio material ou algum
reconhecimento concreto fazendo isso, mas fica a certeza de que mesmo havendo
tal coisa isso não seria comparado com aquilo que ganhei interiormente, essa
sensação de dever cumprido, de estar vivo. Me sinto como um iniciante em seu
primeiro planche, exatamente a mesma sensação. Após os 1001 planches eu fiquei
com um sentimento de que dava pra continuar e ver até onde meu corpo iria, mas
eu já não tinha mais nada para provar a mim mesmo, estava feito e eu já me
sentia preenchido por dentro.
Não sei se algum dia farei isso novamente, mas tenho o desejo de sempre
estar buscando desafios e vivendo a vida através disso. Agora preciso terminar
de recuperar meus corpo e continuar minha jornada pois sei que 2013 promete
muitas coisas boas e novos desafios. Em breve, pretendo editar um vídeo que irá
resumir como foi esse evento dos 1001 planches. Parabéns a todos os Tracers ou
não-Tracers do Brasil todos que saíram de suas casas para tentar 1000 ou outras quantidades de planches. Uma boa
passagem de ano a todos, bons treinos !